martes, 9 de febrero de 2016

Memorando em Chipre (Quarta parte)

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CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÓMICO DE UM PAÍS

OS MEANDROS DO MEMORANDO: O CASO DO CYPRUS POPULAR BANK

CAPÍTULO QUARTO: A ULTIMAÇÃO DO PLANO DE RESGATE E O "CORRALITO" (SETEMBRO DE 2012 - MARÇO DE 2013)


INTRODUÇÃO


Em Dezembro de 2001 o governo argentino liderado pelo radical Fernando de la Rúa impôs restrições à retirada de depósitos a fim de travar o colapso do sistema bancário. A esse respeito, o jornalista económico Antonio Laje cunhou o termo "corralito" que no país sul-americano define uma gaiola fechada com uma rede de madeira para que o bebé possa brincar em segurança. Tal medida estabeleceu um precedente perigoso perante cenários semelhantes: o caso mais marcante ocorreu em Março de 2013 na República de Chipre. 


A LIQUIDAÇÃO DE CYPRUS POPULAR BANK

Em 31 de agosto de 2012 foram publicados os resultados contábeis de Cyprus Popular Bank que fechou o primeiro semestre desse exercício fiscal com perdas adicionais de 1.300.000.000 de euros. A sua viabilidade começou a ser questionada pelo BCE que no dia 6 de Setembro enviou uma carta ao Governador do Banco Central de Chipre Panikos Dimitriadis pedindo para ele detalhar os métodos de recapitalização da entidade para a semana seguinte. Em 13 de Setembro, o responsável máximo do órgão de supervisão do sistema financeiro nacional assegurou a sustentabilidade do grupo de crédito problemático e informou que a empresa de consultoria KPMG UK tinha preparado um plano para a separação da instituição num "banco bom" e num "banco mau" que previa a venda de todas as sucursais gregas, a redução de 39% da actividade no território cipriota e cortes de salários e pessoal. A iniciativa fracassou depois da Comissão Europeia rejeitar esse plano no final de 2012. Assim, o Banco Central de Chipre viu-se forçado a deixar Cyprus Popular Bank nas mãos do destino. A organização teria sido desmantelada alguns meses mais tarde.


AS DIFICULDADES DO BANCO DE CHIPRE E A CAPITULAÇÃO DO GOVERNO DE DIMITRIS CHRISTOFIAS

Em 12 de Setembro em Nicósia teve lugar uma reunião do Eurogrupo cujo objectivo consistia em chegar a um acordo "in extremis" com as autoridades cipriotas sobre o resgate. Infelizmente, não se conseguiram resultados apreciáveis. Os acontecimentos precipitaram-se quando o Banco de Chipre publicou os dados contábeis relativos aos primeiros nove meses de 2012: as perdas da principal instituição de crédito do País tinham atingido 216 milhões de euros e as reservas de capital começavam a esgotar-se. Em 7 de Novembro, o Conselho de Governo do BCE decidiu excluir a entidade do mecanismo de política monetária da zona euro, algo que teria sido efectivo a partir do dia 14. Nessa altura, o executivo do esquerdista Dimitris Jristofias teve que retomar as negociações com a Troika e em 18 de Novembro as duas partes estipularam um plano de saneamento financeiro enquanto havia diferenças notáveis em outros pontos programáticos. Assim, em 22 de Novembro, o BCE cortou a liquidez aos bancos cipriotas. Em consequência disso, o governo declarou a sua capitulação pela seguinte nota oficial: "Depois de duras negociações com a Troika e tendo em conta as graves circunstâncias que afectam a nosso País estamos prestes a assinar o Memorando de Entendimento". Posteriormente, o Ministro das Finanças Vassos Siarlís anunciou que o resgate teria sido oficializado após a publicação do relatório da firma de investimento americana PIMCO que teria certificado as dimensões reais do apoio financeiro ao sector bancário.



AS MODALIDADES DO CORRALITO 

A peculiaridade mais notável do Memorando cipriota provou ser o "corralito", cuja gestação ocorreu em 2 de Julho de 2012. Nessa data, o Banco Central Europeu manifestou o seu desacordo com a decisão de recapitalizar a entidade através da acção conjunta entre o governo e o Banco Central Nacional e deixou claro que a reestruturação do sistema de crédito teria sido realizada de forma mais eficaz através dos recursos internos das instituições financeiras indicando alguns destes instrumentos (separação entre bancos bons e maus, venda de activos, redução de seu tamanho, contribuição económica dos depositantes, accionistas e detentores da dívida delas, etc.). Esta avaliação baseava-se numa directiva da UE - a COM [2012] 280 final - adoptada pela Comissão Europeia em 20 de Junho de 2012 apesar de estar ainda pendente de aprovação. O projecto preliminar do Memorando pactuado com a Troika em Novembro de 2012 mencionou no ponto 1.19 estas diretrizes: "As autoridades vão introduzir um quadro jurídico abrangente para a reestruturação e a liquidação de bancos, de acordo com as disposições da resolução da Comissão Europeia". Em 11 de Janeiro de 2013 o governo de Dimitris Christofias enviou a primeira versão da Lei de saneamento das instituições financeiras ao BCE que assim respondeu três semanas depois: "O BCE saúda, por razões legais, políticas e de coerência com a proposta da Comissão Europeia elaborada em Junho de 2012, a implementação das medidas correctivas contidas no projecto de lei destinadas a entidades não viáveis. Assim, criar-se-ão os pressupostos para a recuperação e a consolidação do sector bancário na Europa". A norma foi promulgada em 22 de Março de 2013, após as eleições presidenciais de Fevereiro de 2013 que viram o triunfo do conservador Nikos Anastasiadis. Em poucas palavras, o corralito ("bail-in") não foi uma iniciativa ocasional tomada num momento pontual, senão uma decisão ponderada durante muitos meses. A elite mundial estava ciente dos acontecimentos e, no entanto, todos asseguravam aos cipriotas o direito de dispor livremente de seus depósitos. Uma mentira que terá de resultar em conseqüências penais.


CONCLUSÕES

O resgate causou as seguintes mudanças que afectaram tanto a estrutura como a gestão dos grupos de crédito:   

A) O desaparecimento de Cyprus Popular Bank;

B) A venda escandalosa de todas as sucursais gregas dos bancos cipriotas (Cyprus Popular Bank, Hellenic Bank e o Banco de Chipre) que foram absorvidas pelo Banco do Pireo;

C) A entrega do Banco de Chipre aos accionistas estrangeiros como o americano Wilbur Ross, proprietário do fundo abutre homónimo, que em 2011 adquiriu 34% do Banco de Irlanda pagando 10 céntimos por acção e três anos depois vendeu todas suas participações triplicando seus lucros. Além disso, o seu presidente não-executivo é o suíço Josef Ackermann, um homem com uma notável carreira profissional no Deutsche Bank;

D) Uma situação semelhante observa-se também em Hellenic Bank, o segundo maior banco da ilha. No final de 2013, após a conclusão do aumento de capital no valor de 294 milhões de euros, a maioria das acções foi distribuida entre Wargaming.net, uma empresa bielorrussa baseada em Chipre que produz jogos de guerra on-line e tem mais de 20 milhões de utentes registados, e o fundo de investimento Third Point, gerido por Daniel Loeb, um especulador americano que obteve um lucro líquido de 500 milhões de dólares com a venda de dívida pública grega. O Conselho de Administração é presidido pelo holandês Bert Pijls, um banqueiro com experiência internacional considerável.

A desnacionalização das instituições financeiras tem sido só o começo do espólio do País. Outros temas serão proximamente objeto de nossa análise.


Antonio Giovetti. 


Imagens: sentidosdistintos.files.wordpress.com, xavierbartaburu.com



Fontes

http://eur-lex.europa.eu/legal-content/ES/TXT/?uri=CELEX%3A52012PC0280

http://www.cylaw.org/nomoi/arith/2013_1_017.pdf

https://www.ecb.europa.eu/ecb/legal/pdf/el_con_2013_10_f_sign.pdf

https://www.ecb.europa.eu/ecb/legal/pdf/en_con_2012_50_f_sign.pdf

http://media.philenews.com/PDF/ekthesi_empisteytiko.pdf

https://www.documentcloud.org/documents/1363436-documents-on-eurozone-banking-crisis.html

http://dealbook.nytimes.com/2014/11/18/europes-central-bank-defies-own-rules-in-cyprus-bailout/?_r=1

http://dealbook.nytimes.com/2014/10/17/to-restore-confidence-in-economy-a-test-of-europes-banks/

http://www.sigmalive.com/news/politics/181787/ekthesi-tou-proedrikou-karfonei-xristofia-paniko-athanasio

http://www.politis-news.com/cgibin/hweb?-A=279112&-V=articles

http://www.philenews.com/el-gr/top-stories/885/229025/ekthesi-gia-laiki-efthynes-se-christofia-orfanidi-dimitriadi

http://www.sigmalive.com/news/politics/181899/kyvernisi-dialefkansi-aition-katarrefsis-laikis

http://www.kathimerini.com.cy/index.php?pageaction=kat&modid=1&artid=115212
  



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