O texto se escreve segundo as regras do português do Brasil (pt - BR).
CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÔMICO DE UM PAÍS
O CASO MARFIN EGNATIA BANK
PRIMEIRO CAPÍTULO: A POLÍTICA DE CRÉDITO DA INSTITUIÇÃO EM FAVOR DAS GRANDES EMPRESAS E O PROCESSO DE ACUMULAÇÃO DA DÍVIDA PRIVADA GREGA
INTRODUÇÃO
Na antigüidade clássica, o indivíduo era considerado a pedra angular do Estado cuja função principal consistia na satisfação das necessidades vitais de seus habitantes. O desenvolvimento do comércio e a adopção de técnicas econômicas cada vez mais complexas contribuiram para a transformação do "homo politicus" aristotélico num sujeito preocupado só pelo seu bem-estar material. Esta tendência tem sido levada a extremos na época actual em que as pessoas são qualificadas como "segmentos de mercado" sujeitas à vontade da elite internacional. Nesta perspectiva se enquadra o caso Marfin Egnatia Bank (MEB), uma instituição financeira que foi criada em 2006, após a fusão de três pequenos bancos (Marfin, Laiki e Egnatia). A organização, gerida pelo administrador do conglomerado empresarial Marfin Investment Group (MIG) Andreas Vgenopoulos, tornou-se a filial grega da Marfin Popular Bank (a antiga Cyprus Popular Bank) e foi absorvida pela empresa-mãe no final de Março de 2011. Esta série de artigos visa explicar a origem dos ativos tóxicos helénicos e a sua transferência posterior para a dívida pública cipriota.
OS RESULTADOS DA INSPEÇÃO CONJUNTA PELO BANCO DA GRÉCIA E O BANCO CENTRAL DO CHIPRE (MARÇO-JULHO DE 2009)
Os problemas que afetaram a Marfin Egnatia Bank (MEB) começaram em Março de 2009, quando uma inspeção conjunta pelo Banco da Grécia e o Banco Central de Chipre certificaram uma taxa de morosidade muito elevada, já que os dirigentes da Marfin Investment Group (MIG) costumavam evitar aplicar as regras mais elementares sobre conflitos de interesses a fim de financiar seus próprios negócios e os de empresas estreitamente vinculadas à holding sem a obrigação de apresentar as respetivas garantias. A atividade do banco desenvolveu-se através de duas diretrizes:
A) A concessão de créditos à Marfin Investment Group (MIG) para a aquisição de acções de empresas nacionais cuja venda constituia a garantia principal de tal operação. No entanto, o colapso no preço delas por causa da depressão econômica produzia riscos reais de incumprimento. Conforme os dados relativos ao exercício de 2008, a instituição tinha gastado 1,3 bilhões de euros para esse fim, o que correspondeu a 11% da sua carteira crédito e 130% da sua base de capital (ou seja, os recursos financeiros necessários para fazer frente a eventuais perdas).
B) A concessão de créditos à Marfin Investment Group (MIG) para investimentos no mercado doméstico. Os inspectores detectaram irregularidades na formalização deles e violações sistemáticas da Diretiva sobre Mercados de Instrumentos Financeiros (conhecida pela sigla MiFID), que introduz um quadro jurídico único para o seu funcionamento nos 28 Países da União Europeia.
Vamos ver em detalhes alguns exemplos que ilustrem o círculo vicioso dessas operações:
A) Crédito sem garantias no valor de 4 milhões de euros concedido para fins de investimento ao agrupamento de empresas gregas do setor alimentar VIVARTIA controlado pela Marfin Investment Group (MIG) desde 2007;
B) Crédito no valor de 28,5 milhões de euros concedido à Marfin Investment Group (MIG) para a aquisição de ações da empresa cipriota de laticínios "Christies Dairies" pertencente ao grupo VIVARTIA desde 2007;
C) Crédito no valor de 30 milhões de euros concedido à Marfin Investment Group (MIG) para a aquisição de ações da companhia cipriota "Cyprus Tourism and Development Ltd"., que possui e gere o Hotel Hilton em Nicósia;
D) Crédito no valor de 19 milhões de euros concedido à Marfin Investment Group (MIG) para a aquisição de ações da administradora da clínica ginecológica ateniense "Litó" ligada à organização chefiada por Vgenopoulos;
E) Crédito no valor de 220 milhões de euros concedido para fins de investimento ao centro terapêutico e diagnóstico ateniense "YGEIA S.A." que fica na órbita da Marfin Investment Group (MIG).
No seu relatório, os inspetores recomendaram melhorias substanciais em setores cruciais do banco como os de Apoio ao Crédito, Gestão de Riscos, Cobrança de Dívidas, Avaliação de Riscos de Mercado, Comércio Exterior, Rentabilidade, Política de Segurança, Controle Interno, Departamento de Informática e Controlo de Execução da Diretiva sobre Mercados de Instrumentos Financeiros (MIFID), entre outros.
OS RESULTADOS DA SEGUNDA INSPEÇÃO DA ENTIDADE EFETUADA PELO BANCO CENTRAL DO CHIPRE (2011)
1 - OS CRÉDITOS CONCEDIDOS À MARFIN INVESTMENT GROUP (MIG)
Depois da absorção de Marfin Egnatia Bank (MEB) pela Marfin Popular Bank (MPB), o Banco Central do Chipre realizou uma segunda inspeção cujas conclusões foram notificadas ao Diretor Executivo da instituição financeira Eythymios Bouloutas através de uma carta escrita na data de 24 de Agosto de 2011. As autoridades competentes observaram que o banco limitava-se a tapar as perdas da Marfin Investment Group (MIG), que superaram os 2 bilhões de euros ao longo de 2010 e no primeiro trimestre de 2011. Em poucas palavras, o saque consolidou-se como prática normal.
Analisemos a situação mediante alguns dados reveladores:
A) Em 2010 a Marfin Investment Group (MIG) beneficiou-se de um empréstimo sindicado (ou seja, uma operação realizada por vários bancos em favor de grandes empresas que implica somas consideráveis) em que Marfin Egnatia Bank (MEB) tinha investido 15 milhões de euros. As garantias foram representadas também por ações de VIVARTIA que na época se encontrava em apuros econômicos tão graves que deixou de cotar na Bolsa de Atenas a partir do día 24 de Janeiro de 2011. Em conseqüência, as garantias prestadas atingiram apenas 53% do montante recebido, gerando um risco evidente de incumprimento.
B) Em 2010 VIVARTIA conseguiu 403 milhões de euros através da venda da CHIPITA. Após a conclusão do negócio o grupo empresarial planejava refinanciar as outras filiais. Para este fim, foi concedido um ulterior empréstimo sindicado em que Marfin Egnatia Bank (MEB) comprometeu-se a aportar 79,5 milhões de euros ainda que o valor das garantias não ultrapassasse os 20 milhões de euros. Também neste caso, o banco estava exposto ao risco de crédito.
C) Numa carta redigida na data de 10 de Maio de 2010, a Marfin Egnatia Bank (MEB) garantiu à OLYMPIC AIR S.A. (a antiga companhia aérea estatal da Grécia adquirida pela Marfin Investment Group em Março de 2009) um tratamento favorável em relação às condições de pagamento pela emissão de bônus e outros serviços bancários.
D) A Marfin Egnatia Bank (MEB) infringiu a sua política de crédito que previa que os clientes pudessem cobrar seus cheques só três dias depois da data da sua apresentação nas entidades financeiras: uma circular interna publicada em 11 de Fevereiro de 2011 permitiu às empresas vinculadas à Marfin Investment Group (MIG) acessarem o dinheiro no mesmo dia para terem a oportunidade de operar no mercado mais rapidamente. O banco deu 9.65 milhões de euros deste jeito.
2 - OS CRÉDITOS CONCEDIDOS AO GRUPO ZOLOTAS
Em seus inquéritos, os inspectores encontraram muitos nomes célebres envolvidos nessa trama de corrupção. Um deles era o armador grego Mikhail Zolotas, uma pessoa sinistra relacionada com Vgenopoulos por interesses comerciais comuns. Através da "Focus Maritime", uma companhia de navegação de sua propriedade com sede fiscal nas Ilhas Marshall, Zolotas depositou em Julho de 2007 um milhão de euros na conta da sociedade de consultoria da filha do ex-Governador do Banco Central de Chipre Christodoulos Christodoulou cujo mandato acabava de terminar. De acordo com as informações provenientes da ilha, o alto cargo obteve a propina por ter permitido à Marfin Investment Group (MIG) adquirir em 2006 a Cyprus Popular Bank apesar das irregularidades do processo. Sem dúvida, a ação do magnata do comércio marítimo pode ser interpretada como um gesto de agradecimento à organização liderada por Andreas Vgenopoulos por seu status de cliente privilegiado da Marfin Egnatia Bank (MEB).
Também nesta seção do texto é preciso mencionar alguns elementos esclarecedores para concebir as dimensões da fraude:
A) A instituição financeira injetou 600 milhões de euros em sociedades do grupo Zolotas. Quatro quintos desse montante foram destinados às seguintes empresas:
1) Focus Maritime (254 milhões de euros);
2) Terra Stabile - uma imobiliária com sede em Atenas - (238,9 milhões de euros).
Em Fevereiro de 2007, a Marfin Egnatia Bank (MEB) concedeu à Focus Maritime 80 milhões de euros que a entidade empregou para participar no processo de emissão de obrigações permutáveis por parte da "NewLead Holdings Ltd.", uma empresa marítima com sede em Atenas gerida por Zolotas. A quantia subiu imediatamente até 240 milhões de euros porque o armador pretendia ocupar uma posição de destaque no mercado especulativo internacional. No entanto, o banco não utilizou a alavancagem máxima que teria ampliado a diferença entre o capital livre e o usado de modo a que as perdas pudessem ser contidas nesta margem de segurança. Como Zolotas tinha investido em ienes num período em que a moeda japonesa oscilava com viés de baixa, os prejuizos não lhe consentiram mais operar nas condicões pactuadas com a Marfin Egnatia Bank (MEB) que, ao invés de travar as especulações do empresário, aumentou a sua exposição que já atingia 254 milhões de euros.
B) O convênio entre a Marfin Egnatia Bank (MEB) e a Focus Maritime não incluia o direito da instituição financeira a cobrar a dívida em euros segundo uma taxa de câmbio preestabelecida. Assim, a forte desvalorização do iene multiplicava as probabilidades de um risco de crédito.
C) As obrigações permutáveis da "NewLead Holdings Ltd." constituiam 85% das garantias. Sem dúvida, tratava-se de uma iniciativa muito arriscada já que estava sujeita ao momento econômico da empresa.
D) O valor mínimo das garantias tinha que situar-se em 100% do montante total do crédito. No entanto, apenas alcançou 40%.
De acordo com as estimativas dos funcionários do Banco Central do Chipre, a Marfin Egnatia Bank (MEB) pôde sofrer perdas no valor de 220 milhões de euros devido a todas essas práticas ilícitas.
3 - OS CRÉDITOS CONCEDIDOS AO GRUPO KOUMBAS
Entre os ilustres devedores se encontra também Georgios Koumbas, um empresário que tinha dominado o mercado dos seguros na Grécia durante os anos 90. O magnate contraiu vários créditos no valor de 100.95 milhões de euros que nunca foram devolvidos. Para amenizar esta situação insustentável, o banco adquiriu por 8,8 milhões de euros a "B.E.K. S.A.", uma entidade do grupo Koumbas que se ocupava de investimentos em imóveis de uso comercial convertendo-a na sua filial. A transação realizou-se num preço inferior ao valor real da empresa, mas esse dado foi apagado das contas oficiais da Marfin Egnatia Bank (MEB) no dia 31 de Dezembro de 2010. Assim, a instituição financeira perdeu 6.729 euros.
4 - OS CRÉDITOS CONCEDIDOS AO PRESIDENTE DO BANCO DO PIREU MIKHAIL SALLAS
No início de 2011, o Banco do Pireu tinha anunciado um aumento de capital e seu todo-poderoso Presidente Mikhail Sallas conseguiu um crédito no valor 113 milhões de euros por parte da Marfin Egnatia Bank (MEB). O dinheiro foi depositado em três empresas offshore cipriotas (KAEO Enterprises, Shent Enterprises e Benidver Investments) pertencentes ao banqueiro e seus dois filhos e foi usado inmediatamente para que Sallas incrementasse a sua cota de participação na instituição financeira. As garantias consistiram num bônus de 7,5 milhões de euros emitido pelo Banco do Pireu e em ações dessa entidade no valor de 66,2 milhões de euros. Porém, em 2012 o preço delas tinha diminuido notavelmente por causa da grave crise económica que afectava a Grécia. De acordo com os cálculos dos inspectores do Banco Central do Chipre, a dívida de Sallas tinha se elevado até 87,8 milhões de euros que a Marfin Egnatia Bank (MEB) nunca recuperou.
Tal operação foi favorecida pela estreita relação entre as pessoas implicadas: em 2001 Sallas introduziu Vgenopoulos no mundo das finanças vendendo-lhe a PRIME BANK, e em Março de 2010 a Marfin Investment Group (MIG) emitiu um bono pelo valor de 252 milhões de euros que atraiu principalmente o interesse de empresas ligadas ao dirigente máximo do Banco do Pireu. Nos negócios, os "amigos" não se declaram guerra e privatizam seus lucros, enquanto as perdas se socializam ......
No próximo capítulo vamos continuar a análise sobre a acumulação da dívida privada grega.
Antonio Giovetti
Imagens: moneyexpertgr.files.wordpress.com, 4.bp.blogspot.com,roulismaroulis.files.wordpress.com
Fontes:
http://www.koutipandoras.gr/article/daneia-ston-eayto-toy-kai-toys-synetairoys-toy-edine-o-vgenopoylos
https://politis.com.cy/article/moiraze-kai-cash-i-focus
http://www.dealnews.gr/roi/item/169508-M%CE%B9%CF%87%CE%AC%CE%BB%CE%B7%CF%82-Z%CE%BF%CE%BB%CF%8E%CF%84%CE%B1%CF%82-O%CE%B9-%C2%AB%CE%BA%CF%8C%CE%BA%CE%BA%CE%B9%CE%BD%CE%B5%CF%82%C2%BB-%CF%80%CE%B5%CF%81%CE%B9%CF%80%CE%AD%CF%84%CE%B5%CE%B9%CE%B5%CF%82-%CF%84%CE%BF%CF%85-X%CE%B9%CF%8E%CF%84%CE%B7-%CE%B5%CF%86%CE%BF%CF%80%CE%BB%CE%B9%CF%83%CF%84%CE%AE#.WHfpTdLhDow
http://mignatiou.com/2014/02/o-vgenopoulos-vlepi-ton-pinokio-ston-kathrefti-apanta-i-vouleftis-irini-charalampidou/
http://www.capital.gr/epixeiriseis/3093316/pos-eftase-sto-kanoni-ton-140-ekat-i-koumpas-summetoxon
http://www.bloomberg.com/research/stocks/private/snapshot.asp?privcapId=9384177
http://www.bloomberg.com/research/stocks/private/snapshot.asp?privcapid=32750070
http://www.protothema.gr/greece/article/597823/kupros-katahorithike-to-katigoritirio-gia-dorodokia-tou-proin-dioikiti-tis-kedrikis-trapezas/
http://www.koutipandoras.gr/article/ekdidetai-sthn-kypro-o-zolwtas
http://www.enet.gr/?i=news.el.article&id=372196
http://www.koutipandoras.gr/article/m-sallas-agorase-tin-laiki-trapeza-stin-opoia-hrosta-ekatommyria-eyro
http://teddygr.blogspot.com.es/2015/06/15.html
http://www.newsit.com.cy/flash/porisma.pdf
https://www.bloomberg.com/quote/NEWL:US
http://www.hellashouses.gr/en_GB/users/userHome/userId/402/Construction-company/Terra+Stabile
http://mononews.gr/vgenopoulos-enas-epithetikos-ke-drastirios-epichirimatias-pou-iche-pollous-filous-ke-pollous-echthrous/88747
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