CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÓMICO DE UM PAÍS
OS MEANDROS DO MEMORANDO: O CASO DO CYPRUS POPULAR BANK
CAPÍTULO TERCEIRO: ACÇÕES E OMISSÕES DO BANCO CENTRAL EUROPEU (JULHO - AGOSTO DE 2012)
INTRODUÇÃO
Entre 2011 e 2012 os jornalistas gregos Aris Chatzistefanou e Ekaterini Kitidi publicaram dois documentários muito bem-sucedidos a nível mundial como "Dividocracia" e "Catastroika". Após centrar a atenção deles em processos semelhantes ocorridos anteriormente na Europa (Rússia e Alemanha Oriental) e na América Latina (Argentina e Equador) os autores ilustraram as manobras sibilinas da elite internacional para aumentar o volume da dívida pública grega e as finalidades deste crime que lesa a humanidade. Ao longo do artigo, tais reflexões serão transpostas para o âmbito cipriota.
A CHEGADA DA TROIKA: UMA NOVA ESTAÇÃO NA "VIA CRÚCIS" DO PAÍS
A decisão de excluir Cyprus Popular Bank do mecanismo de política monetária da zona euro surpreendeu o Governador do Banco Central de Chipre Panikos Dimitriadis que tentou, em vão, utilizar seu cargo para o BCE reconsiderar a sua posição. No entanto, o segundo grupo de crédito da ilha teve que hipotecar seus ativos imobiliários a fim de preencher as condições para continuar a receber a assistência de liquidez de emergência (ELA, Emergency Liquidity Assistance). Não havia outra opção senão recorrer ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira: em 26 de Julho de 2012, uma delegação da troika (UE-BCE-FMI) fez sua primeira visita a Nicósia e entregou o projecto do Memorando de Entendimento para o então Presidente da República Dimitris Christofias que partiu no dia seguinte para Londres a fim de assistir aos Jogos Olímpicos. Na capital britânica a autoridade máxima do País fez estas declarações: "Não é possível que alguns que vêm de fora nos digam qual é o estado da nossa economia. Talvez tenhamos uma visão diferente em relação à situação das finanças públicas e ao método para resolver o problema. Então, eu disse para eles voltarem em Setembro para continuar o diálogo". A oposição de Christofias à União Europeia - que se fundava principalmente por motivos ideológicos - não conseguiu estancar a deriva do País, cujo caminho estava a ser traçado por altos funcionários de nacionalidade estrangeira.
O PACTO SECRETO ENTRE O BCE E O BANCO CENTRAL DE CHIPRE
O PACTO SECRETO ENTRE O BCE E O BANCO CENTRAL DE CHIPRE
Em 31 de Julho de 2012 o francês Benoit Coeuré - um dos seis membros da Comissão Executiva do BCE - enviou a Panikos Dimitriadis um e-mail que deixou claras as intenções da instituição comunitária. O dirigente europeu indicou ao Governador do Banco Central de Chipre três opções para evitar a liquidação de Cyprus Popular Bank (texto em Inglês):
A) Revising the ELA valuation and haircut methodology, in particular for credit claims (non-tradable instruments). The CBC (Central Bank of Cyprus) has in principle the possibility to apply less stringent valuation and haircut compared to the approach followed by the Eurosystem in credit operations. This should of course be done in a transparent and reasoned way, substantiating the claim that standard Eurosystem haircut are not necessary in the case of certain types of collateral accepted under ELA.
B) Issuance of Goverment guaranteed bank bonds (GGBBs). To use additional GGBBs in ELA, the CBC needs to submit a request to the Executive Board only and not to the Governing Council as these bonds will only be used under ELA operations. Of course, this option would have to be weighted against the entry cost (as I understand GGBBs never have been used in Cyprus) and the consecuences for government debt sustainability.
C) Unsecured guarantees provided by the Cypriot government: this type of collateral have been used only in Ireland. It has the disadvantage that it creates a direct bank-sovereign channel since, in the case of a deposit run resulting in the bank's inability to repay ELA, it will create a demand of payment by the State, at a time when the State itself could be expected under stress.
O representante do BCE desaconselhou qualquer intervenção do Governo de Chipre neste assunto já que o uso de bônus do Estado para recapitalizar uma entidade que só se mantinha graças ao apoio do Banco Central Nacional exigia a autorização prévia da Comissão Executiva e o recurso a outros tipos de colaterais implicava custos muito elevados para o erário público, especialmente em caso de uma retirada maciça de depósitos. A solução mais conveniente consistia em aplicar critérios de flexibilidade na avaliação das garantias que Cyprus Popular Bank tinha que apresentar para não ver prejudicada a assistência de liquidez de emergência. Em poucas palavras, Coeuré recomendou a Dimitriadis manipular as contas inflacionando o valor dos activos do grupo de crédito problemático. A iniciativa teve um impacto imediato: numa sessão tensa do Conselho de Governo do BCE - composto pelos seis membros da Comissão Executiva e pelos Governadores dos Bancos Centrais dos Países da zona euro - o Presidente do Bundesbank Jens Weidmann discordou da decisão de injetar dez bilhões de euros numa organização que teria quebrado alguns meses depois e disse que tencionavam salvar Chipre a todo o custo. Neste ponto, vale notar as seguintes observações:
A) Além de ter induzido Panikos Dimitriadis a cometer uma operação de engenharia financeira, o BCE violou seus estatutos que prevêem que só os Bancos Centrais Nacionais possam intervir em assuntos como o apoio económico a instituições insolventes;
B) O resgate cipriota seguiu padrões muito semelhantes aos da Irlanda salvo alguns detalhes: Dublin aprovou o Memorando de Entendimento depois de o BCE ter ameaçado cortar qualquer tipo de financiamento, enquanto no caso do pequeno País mediterrâneo tais avisos não tinham sido tomados em consideração. Então, o órgão regulador do sistema de câmbios a nível continental não hesitou em usar todo o seu implacável cinismo: primeiro deixou de exercer suas funções de controle fazendo vista grossa aos relatórios manipulados de Athanasios Orfanidis e Panikos Dimitriadis sobre a viabilidade de Cyprus Popular Bank - algo que poderia ter causado graves problemas para a existência da zona euro - e, logo, terminou seu "trabalho sujo" tornando a dívida pública cipriota insustentável. Assim, o BCE visava proteger seus interesses numa região estratégica do ponto de vista geopolítico.
OS RECURSOS ENERGÉTICOS COMO MEIO DE PAGAMENTO DA DÍVIDA: QUE FUTURO PARA O PAÍS?
Para explicar as causas reais do controle supranacional é necessário dedicar um parágrafo específico para as relações entre a República de Chipre e os Estados vizinhos em temas de desenvolvimento energético.
Em Dezembro de 1988 Nicósia assinou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar que pela primeira vez definiu o conceito de Zona Económica Exclusiva. Neste espaço, que se estende até 200 milhas marítimas contadas a partir das linhas de base, o País costeiro exerce soberania plena no que respeita à conservação e gestão dos recursos naturais. Duas décadas mais tarde foram estipulados acordos bilaterais com o Egito (2003), o Líbano (2007) e Israel (2010) para delimitar as águas territoriais correspondentes. Em Outubro de 2008, o governo liderado pelo esquerdista Dimitris Christofias concedeu à companhia estadunidense Noble Energy 100% dos direitos de pesquisa e exploração de hidrocarbonetos no lote 12 da área de competência da pequena Nação mediterrânea provocando a reação veemente de Ancara que desde então tenta dinamitar a política energética empreendida pelas autoridades da ilha com o pretexto de que os turco-cipriotas seriam excluidos dos eventuais benefícios econômicos. As prospeções, que começaram no final de 2011 e ainda estão em desenvolvimento, têm evidenciado enormes quantidades de gás natural (cerca de 4,5 biliões de pés cúbicos) e petróleo (até 1.400 milhões de barris que alcançam o valor de 60 mil milhões de euros). No começo de 2013 a Noble Energy vendeu 30% de seus direitos para as empresas israelenses Delek e Avner. Além disso, na Zona Económica Exclusiva de Chipre se encontra parte de uma jazida - denominada "Levantini" - que contém 40 biliões de pés cúbicos de gás natural.
A gestão dos recursos naturais e a aceitação do plano de resgate foram os assuntos que monopolizaram o debate durante a campanha eleitoral para as presidenciais de 2013. O candidato Georgios Lillikas (Aliança Cidadã) apresentou propostas originais como a venda prévia dos hidrocarbonetos extraidos no lote 12. De acordo com a opinião dele essa operação teria garantido ao Estado arrecadação suficiente (cerca de 25 mil milhões de euros) para limpar o sistema bancário e evitar as garras da Troika. Sem dúvida, tratava-se de um projecto sem pé nem cabeça que teria levado a uma redução significativa dos preços proporcionando vantagens notáveis aos investidores. Outros concorrentes à Presidência da República como o esquerdista Stavros Malás (Partido Progressista do Povo Trabalhador) não manifestaram sua desconformidade com esta linha argumentando que o gás natural constituia "a melhor oportunidade" face aos credores e à Turquia, uma solução apoiada pelas elites económicas que, desta maneira, teriam matado dois coelhos com uma cajadada só: por um lado teriam aproveitado o mau estado das finanças públicas cipriotas para assegurar o abastecimento de petróleo a custos de barganha e por outro teriam legitimado a ocupação militar da parte norte da ilha e teriam reconhecido o papel de primeira ordem de Ancara contra qualquer ingerência russa na região. Convém também destacar que o actual ministro dos Negócios Estrangeiros Ioannis Kasoulidis declarou no verão de 2013 que a extração das matérias-primas seria o maior factor de estabilidade para o Estado.
O caminho para a estrangeirização da soberania nacional já foi aberto. O texto conclui com uma recente reflexão da eurodeputada Eleni Theojarous: "Em 2018 - ano das próximas eleições presidenciais - ainda existirá a República de Chipre?"
Na quarta e última parte serão examinadas mais detalhadamente as negociações para o Memorando de Entendimento com êmfase especial nas modalidades da retenção de depósitos (o chamado "corralito").
Antonio Giovetti.
Imagens: elpreciodelalibertad.files.wordpress.com, keipi.blogspot.com
Fontes:
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http://www.sigmalive.com/news/local/181741/nyt-idea-tis-ekt-i-paroxi-ela-stin-xreokopimeni-laiki
http://dealbook.nytimes.com/2014/11/18/europes-central-bank-defies-own-rules-in-cyprus-bailout/?_r=1
http://dealbook.nytimes.com/2014/10/17/to-restore-confidence-in-economy-a-test-of-europes-banks/
https://www.documentcloud.org/documents/1363436-documents-on-eurozone-banking-crisis.html
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http://media.philenews.com/PDF/ekthesi_empisteytiko.pdf
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http://www.cyprus.gov.cy/moi/pio/pio.nsf/0/FE475A6A54F2F7B2C225757100257AD4?opendocument
http://es.wikipedia.org/wiki/Convenci%C3%B3n_de_las_Naciones_Unidas_sobre_el_Derecho_del_Mar
http://www.sigmalive.com/news/opinions_sigmalive/202683/tha-yparxei-kypriaki-dimokratia-to-2018
http://www.megatv.com.cy/cgibin/hweb?-A=67078&-V=news
http://www.kontranews.gr/component/k2/item/24259-megales-dynameis-proklisi/24259-megales-dyn
http://www.sigmalive.com/simerini/analiseis/85314/to-petrelaio-tis-lekanis-tis-levantinis
http://tvxs.gr/news/eyropi-eop/eos-kai-14-dis-barelia-petrelaio-sto-oikopedo-%C2%AB12%C2%BB-tis-kyproy
http://www.protothema.gr/economy/article/242451/h-mystikh-ekthesh-gia-ta-ellhnika-petrelaia/
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