CHIPRE: HISTÓRIA DO FRACASSO POLÍTICO E ECONÔMICO DE UM PAÍS
OS EFEITOS COLATERAIS DO MEMORANDO: A VENDA A PREÇOS DE SALDO DAS SUCURSAIS GREGAS DOS BANCOS CIPRIOTAS
CAPÍTULO SEGUNDO: AS NEGOCIAÇÕES COM OS PODERES FÁTICOS E A ESPOLIAÇÃO DO PATRIMÔNIO FINANCEIRO DO PAÍS (MARÇO DE 2013)
INTRODUÇÃO
"Meu País foi vítima de um saque friamente planejado. Roubaram 3,5 mil milhões de euros para enriquecer um banco grego. Confiscaram as poupanças dos cidadãos e o dinheiro dos aposentados. A Troika e o Eurogrupo decidiram antecipadamente a aplicação de medidas que tivemos que cumprir com uma arma apontada à nossa cabeça. Foi um dos maiores escândalos da história da zona euro". Esta declaração foi pronunciada por Nikolas Papadopoulos, lider do centrista Partido Democrata que tinha inicialmente apoiado as políticas de austeridade para depois assumir uma posição mais crítica sobre o assunto. O artigo vai destacar o contexto em que se materializou o plano do Banco Central Europeu descrito no capítulo anterior e as condições que obrigaram Nicósia a ceder ao Banco do Pireu a gestão e a propriedade das sucursais gregas do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank.
A REUNIÃO DO EUROGRUPO DE 15/16 MARÇO DE 2013 E OS TERMOS DO RESGATE
A partir de 2010 as agências de classificação de risco alertaram as autoridades da pequena nação mediterrânea que seu sistema financeiro estava excessivamente exposto à crise grega. Ao longo de 2012, a redução de 50% do valor dos títulos soberanos de Atenas fez piorar notavelmente a situação dos cofres da ilha e a hipótese de um resgate pegou mais e mais força. O problema foi solucionado na reunião do Eurogrupo de 15/16 de Março de 2013 em que os Ministros das Finanças dos Países que tinham adoptado a moeda única impuseram a venda a terceiros das sucursais gregas dos bancos cipriotas em troca do empréstimo. Esta exigência se fundava nas seguintes razões:
A) A necessidade de travar o aumento desproporcional da dívida pública de Nicósia. Sem um programa de ajustamento, a Troika (UE-BCE-FMI) assumia que a quebra do Cyprus Popular Bank teria produzido um efeito dominó sobre a economia nacional;
B) A impossibilidade de provocar um "corralito" em instituições de crédito localizadas fora do País sem a anuência do Banco Central do Estado de acolhimento. Os credores temiam que a implementação desta iniciativa teria promovido uma fuga maciça de capitais na Grécia devastada por cortes draconianos. Assim, o Fundo de Garantia de Depósitos não teria podido cobrir os prejuízos causando a falência do sistema bancário cipriota.
Em 22 de Março de 2013 foi publicada a Lei de saneamento das instituições financeiras que atribuia ao Banco Central do Chipre o poder de liquidar entidades consideradas economicamente inviáveis. Segundo esta disposição, no dia 26 de Março o Governador Panikos Dimitriadis deu a sua aprovação à venda dos activos gregos do Banco do Chipre e do Cyprus Popular Bank e o Diretor-Geral do Departamento de Comércio Exterior do Hellenic Bank Petros Ioannidis assinou o acordo com os investidores.
AS CONVERSAÇÕES COM BRUXELAS E AS CONDIÇÕES DE COMPRA E VENDA
No início de Março de 2013 os representantes dos credores viajaram para o Chipre para ilustrar aos responsáveis políticos e financeiros locais as diretrizes do Plano Econômico do BCE à cuja aplicação estava sujeita a concessão do empréstimo. Depois de algumas conversas telefónicas anteriores, em 9 de Março uma delegação de funcionários do Banco Central de Chipre, do Ministério da Economia e da Troika foi a Atenas para negociar com as máximas autoridades do Banco da Grécia os termos da cessão, mas as partes exprimiram fortes discordâncias sobre a avaliação das carteiras de crédito das três entidades envolvidas na operação. Nessa altura, a iniciativa foi tomada pela Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia que estipulou um contrato de venda através destes três pontos:
A) Realização de uma estimativa do valor das carteiras de crédito do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank de acordo com as previsões de rentabilidade no cenário macroeconômico mais adverso por parte da empresa de investimento norte-americana PIMCO;
B) Partilha equitativa (50-50%) entre o comprador e o vendedor da quantia a ser paga (1,5 mil milhões de euros). Assim, as empresas-mãe tinham que contribuir para a recapitalização das suas sedes na Grécia;
C) Efectuação de um controle rigoroso sobre a concessão de crédito a particulares ou empresas. Além disso, estava prevista uma revisão dos dados elaborados pela PIMCO que incluisse as despesas de organização das novas entidades. Neste caso, o adquirente teria obtido um desconto de até 350 milhões de euros sobre o preço de venda.
O assunto foi discutido na reunião do Eurogrupo de 15/16 de Março de 2013. No dia seguinte, o Banco da Grécia entrou em contato com o Banco Nacional da Grécia, o Alpha Bank, o Banco do Pireu e o Banco Postal Helénico para sondar a disponibilidade deles para a aquisição em conformidade com as condições pactuadas com Bruxelas. Em 22 de Março a proposta foi aceita pelo Banco do Pireu que não teria arcado com os custos do negócio já que o dinheiro teria sido fornecido pelo Fundo Helénico de Estabilidade Financeira. Enquanto isso, também na ilha estava se desenvolvendo o respectivo processo burocrático: em 18 de Março o Departamento de Reestruturação Financeira do Banco Central do Chipre informou os altos dirigentes do Banco do Chipre, do Cyprus Popular Bank e do Hellenic Bank das decisões do Eurogrupo. Todos eles rejeitaram condições tão prejudiciais para os seus interesses. Apesar disso, a opinião deles não foi tomada em consideração.
O Conselho de Administração do Banco do Pireu não mostrou a sua conformidade com as cláusulas contratuais e exigiu a inclusão de um parágrafo sobre a possibilidade de pôr termo ao convênio caso o investimento para a reestruturação dos três grupos financeiros superasse os 350 milhões de euros. Como normalmente acontece, a economia manda e política obedece sem questionar: o então Comissário Europeu da Concorrência Joaquín Almunia, o ex-Primeiro-Ministro grego Antonis Samarás e o Presidente da República de Chipre Nikos Anastasiadis acordaram as seguintes mudanças que foram anunciadas na nova reunião do Eurogrupo agendada para o dia 25 de Março:
A) Ampliação do desconto de 350 para 450 milhões de euros;
B) Revogação da cláusula que dava ao comprador o direito de rever as estimativas da PIMCO;
C) Aumento até 67% do montante a ser pago pelo adquirente. Ao final de todo este processo o Banco do Pireu depositou 524 milhões de euros (o desconto anteriormente mencionado se aplicou ao preço final).
Em Nicósia continuaram as negociações entre representantes do Banco Central de Chipre e do Banco do Pireu na presença de membros da Troika, do Banco da Grécia e do Fundo Helénico de Estabilidade Financeira. A participação de funcionários das três instituições de crédito afectadas e das autoridades civis não foi considerada oportuna pela vontade expressa dos credores. Assim, o Banco do Pireu obteve:
A) As carteiras de crédito das sucursais gregas dos três bancos cipriotas. A PIMCO determinou o valor delas em 16,2 mil milhões de euros (3,1 mil milhões a menos que nos livros bancários);
B) A propriedade dos edifícios cujo valor alcançava os 250 milhões de euros;
C) Os direitos e obrigações inerentes aos depósitos cujo valor se situava em 15 mil milhões de euros na data de 15 de Março de 2013;
D) A gestão dos recursos humanos. Em Março de 2013 as sedes gregas dos três bancos cipriotas contavam com 5268 trabalhadores.
No próximo capítulo, o perfil do Banco do Pireu e as razões para a sua escolha serão analisados detalhadamente.
Antonio Giovetti.
Imagens: 2.bp.blogspot.com, o vôo do corvo (4.bp.blogspot.com)
Fontes:
http://www.thepressproject.gr/article/73440
http://www.efsyn.gr/arthro/promeletimeno-egklima-stin-kypro
http://www.euro2day.gr/news/economy/124/articles/765437/Article.aspx
http://www.tovima.gr/finance/article/?aid=504372
http://olympia.gr/2015/02/09/%CE%BD%CE%B9%CE%BA%CF%8C%CE%BB%CE%B1%CF%82-%CF%80%CE%B1%CF%80%CE%B1%CE%B4%CF%8C%CF%80%CE%BF%CF%85%CE%BB%CE%BF%CF%82-%CE%B8%CE%AD%CE%BB%CE%BF%CF%85%CE%BC%CE%B5-%CF%84%CE%B1-%CE%BB%CE%B5%CF%86/
http://www.cylaw.org/nomoi/indexes/2013_1_17.html
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